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EPAL à beira do colapso: proibir o garimpo de água, não resolve a crise – Correio da Kianda

A recente intenção do ministro da Energia e Águas, João Baptista Borges, de acabar com o garimpo de água e a venda informal em Luanda evidencia uma crise estrutural que o Estado ainda não resolveu. Angola insiste em soluções públicas centralizadas para problemas que exigem modelos híbridos, combinando iniciativa pública, privada e municipal. Como defendem Ostrom (1990) e Osborne e Gaebler (1992), os serviços essenciais só se tornam sustentáveis quando adoptam modelos de governação policêntrica, gestão orientada por eficiência, inovação e descentralização, algo impossível de alcançar apenas com o Estado como operador central.

A experiência internacional demonstra que nenhum sistema urbano de água se torna eficiente com centralização excessiva, ausência de incentivos económicos e dependência exclusiva do Orçamento Geral do Estado. Portanto, a afirmação do ministro é necessária, mas insuficiente. O combate à venda informal não se vence com discursos nem fiscalização isolada. Vence-se com modelos modernos de gestão, infraestruturas funcionais, tecnologias avançadas e governação partilhada entre o sector público, privado e municipal.

1. A raiz do problema: falência do modelo único e centralizado

Luanda cresceu de forma acelerada, mas a capacidade institucional da EPAL não acompanhou este crescimento. Como refere Bakker (2010), serviços urbanos centralizados tornam-se burocráticos, lentos, politizados e incapazes de responder a ambientes urbanos dinâmicos, criando espaços para mercados informais inevitáveis quando a oferta formal falha.

Atualmente, milhares de famílias dependem de camiões-cisterna, chafarizes privados, garimpo e operadores não licenciados. O Estado conhece a situação, mas a população também. Por isso, apenas proibir ou moralizar estas práticas é atacar o sintoma e não a doença. A ausência de acesso confiável e económico à água obriga a população a recorrer ao mercado informal, mesmo sob risco de sanções.

Além disso, a centralização impede uma resposta rápida a falhas operacionais, atrasos na expansão da rede e investimento em manutenção preventiva. Sem políticas estruturais, o garimpo continuará a crescer como consequência direta da incapacidade do sistema formal de satisfazer a demanda urbana.

2. Parcerias Público-Privadas: o caminho moderno e inevitável

O sector da água é capital-intensivo, exigindo investimentos contínuos, manutenção tecnológica, inovação e gestão profissional. Como defende Kettl (2015), a governação colaborativa entre o sector público e privado aumenta a eficiência, expande a cobertura e garante sustentabilidade financeira.

Neste contexto, as Parcerias Público-Privadas (PPP) são fundamentais. Hodge e Greve (2017) demonstram que PPPs bem reguladas proporcionam benefícios múltiplos:

Redução das perdas operacionais;

Expansão mais rápida da rede de distribuição;

Modernização tecnológica do sistema de medição e cobrança;

Eficiência administrativa e profissionalização da gestão.

A introdução de PPPs permite ainda que o Estado concentre-se em regulação, fiscalização e garantia do acesso social, enquanto os parceiros privados trazem capital, experiência e inovação.

3. Empresas Municipais de Água: descentralizar para funcionar

Segundo Pierre e Peters (2000), a governança urbana descentralizada aumenta a proximidade entre a gestão e os problemas reais da população, promovendo maior responsabilização e transparência. A criação de empresas municipais de água apresenta múltiplas vantagens:

Gestão técnica e financeira próxima do cidadão;

Maior responsabilização de administradores e operadores;

Metas claras de expansão da rede e melhoria contínua;

Melhor relacionamento com os cidadãos e mecanismos de participação;

Combate directo à informalidade;

Sistemas modernos de cobrança e regulação que eliminam a inadimplência crónica.

Estas empresas devem operar com subvenções sociais para famílias vulneráveis, garantindo acesso à água sem comprometer a sustentabilidade financeira, conforme defendido por Stiglitz (1989). Este modelo evita que o acesso ao recurso seja determinado exclusivamente pela capacidade de pagamento, promovendo justiça social.

4. Tecnologia e cobrança inteligente: o fim da inadimplência

A sustentabilidade do sector depende, como destacam Rogers et al. (2002), de tarifas economicamente eficientes, ambientalmente sustentáveis e socialmente justas. Empresas municipais e PPPs podem implementar sistemas tecnológicos modernos para melhorar a gestão e reduzir a inadimplência:

Contadores inteligentes para monitorização em tempo real;

Sistemas de pagamento móvel e carteiras digitais;

Plataformas de facturação automática e integração com bancos;

Monitorização remota de fugas e consumos;

Análise de dados para planeamento e prevenção de perdas.

A transparência e a digitalização da cobrança reduzem a dependência de fiscalização manual e tornam a gestão mais eficiente, protegendo tanto o Estado como o cidadão.

5. Lições internacionais: Angola não precisa reinventar a roda

Brasil – SABESP (São Paulo)
Empresa mista que combina capital privado e regulação estatal. Arvate (2012) destaca que a parcerização reduziu perdas, aumentou a cobertura e modernizou a cobrança, tornando o sistema mais eficiente e sustentável.

Senegal – Modelo SONES e Operador Privado
O modelo tripartido, segundo Marin (2009), permite que a SONES gere património, o operador privado cuide da distribuição e o Estado regule. A cobertura urbana passou de 78% para mais de 98% em duas décadas, com significativa melhoria na qualidade do serviço.

Moçambique – FIPAG e concessões urbanas
Mjimba (2016) demonstra que operadores privados em Maputo e Beira profissionalizaram a gestão, aumentaram a arrecadação e expandiram a rede de forma gradual e sustentável.

Marrocos – Gestão Delegada (Casablanca e Rabat)
Loftus (2010) aponta que a gestão delegada garante alta qualidade de serviço, modernização contínua e eficiência na cobrança, mantendo o controlo público através da regulação estatal.

Estes exemplos confirmam que a combinação de eficiência privada e regulação pública sólida é a chave para sistemas urbanos de água sustentáveis.

6. Se não houver coragem política, o garimpo vence sempre

O ministro João Baptista Borges tem razão ao afirmar que a venda informal prejudica o Estado e reduz a qualidade do serviço. Mas, como reforça Grindle (2007), reformas administrativas fracassam quando ignoram o contexto local e dependem apenas do poder central.

Sem descentralização, municipalização, PPPs sólidas, tecnologia moderna, subvenções sociais e regulação eficaz, o sistema continuará a produzir garimpo, informalidade e escassez. Onde o Estado não entrega, o mercado informal cria soluções, mesmo que ilegais.

7. Conclusão: O futuro da água em Luanda exige mais do que discursos

Sustentar um sistema urbano de água exige investimentos, tecnologia, inovação, gestão profissional e governação partilhada. Nada disso nasce apenas do sector público. O Estado deve ser maestro, não solista.

A água é um direito humano fundamental, mas fornecê-la com eficiência requer coordenação inteligente entre o público e o privado, políticas sociais bem desenhadas e regulação firme.

Se Angola não avançar nesse caminho, continuaremos a ter uma capital onde a água chega primeiro em bidões do que nas torneiras e onde famílias pagam mais pelo ilegal do que deveriam pagar pelo serviço formal. A crise do garimpo não é apenas uma questão de fiscalização; é uma falha estrutural do modelo de gestão urbana da água em Luanda.

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