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Empreender em Angola: sonhar é livre, financiar é um privilégio – Correio da Kianda

1. Introdução: o crédito como motor da inovação e do desenvolvimento

Nenhum ecossistema empreendedor se consolida sem um sistema de financiamento sólido, inclusivo e sustentável. O acesso ao capital é, como observa Joseph Schumpeter (1934), “o combustível da destruição criativa”, isto é, o elemento que permite ao empreendedor romper com o estado das coisas e introduzir inovações que impulsionam o desenvolvimento económico.

Em Angola, o discurso sobre o empreendedorismo tem-se tornado recorrente em conferências, planos de governo e programas televisivos. Todavia, a distância entre o discurso e a realidade ainda é profunda. O país continua a enfrentar sérias limitações no que diz respeito ao financiamento produtivo, sobretudo para os micro e pequenos empreendedores, que formam a base da economia real e informal.

A ausência de uma estratégia integrada de financiamento ao empreendedorismo transforma o crédito num privilégio, e não num direito. Como salienta Peter Drucker (1985), “o empreendedorismo é menos sobre o risco e mais sobre a gestão de oportunidades”; contudo, sem acesso a recursos, não há oportunidade que se materialize.

2. O cenário actual: desarticulação e centralização institucional

Em Angola, a política de apoio ao empreendedorismo encontra-se dispersa entre múltiplas instituições, como o BDA, o FAE, o INAPEM, o PRODESI e outros programas ministeriais, que operam com objectivos semelhantes, mas sem integração ou coordenação estratégica.

Segundo Cassiolato e Lastres (2005), a ausência de articulação entre instituições públicas de fomento “cria uma fragmentação que limita a eficácia das políticas de inovação e empreendedorismo”. Esta realidade aplica-se perfeitamente ao caso angolano: cada órgão actua de forma isolada, com plataformas próprias, exigências distintas e mecanismos de selecção pouco transparentes.

O resultado é uma pulverização dos recursos públicos e um labirinto burocrático que desmotiva o empreendedor. Em vez de facilitar o acesso, o Estado cria barreiras formais e informais, o que vai contra o princípio de promoção da competitividade e da economia local.

3. Burocracia e garantias: o maior inimigo da inovação

A dificuldade de acesso ao crédito em Angola é agravada por práticas bancárias conservadoras e rígidas. Os bancos exigem garantias reais, como imóveis, veículos ou contas bancárias robustas, que a maioria dos empreendedores não possui.

O economista Hernando de Soto (2000) argumenta que o principal obstáculo para o desenvolvimento dos países do Sul global não é a falta de talento empreendedor, mas a falta de sistemas legais e financeiros que reconheçam o valor dos activos informais. Em Angola, essa realidade é evidente: muitos empreendedores possuem bens, mas não títulos de propriedade legalizados, o que os exclui automaticamente do sistema bancário formal.

Assim, perpetua-se um círculo vicioso: quem mais precisa de crédito é quem menos consegue obtê-lo. A inovação morre antes de nascer, sufocada por formulários, exigências e descrença institucional.

4. O papel estratégico das administrações municipais

A promoção do empreendedorismo deve começar de baixo para cima, nas comunidades e nos municípios. As administrações municipais podem e devem desempenhar um papel central na criação de fundos municipais de crédito produtivo, com apoio técnico do INAPEM e financiamento do BDA.

Como defende Amartya Sen (1999), o desenvolvimento é essencialmente “a expansão das liberdades reais das pessoas”. Isso implica descentralizar o poder de decisão e levar o crédito até onde o talento floresce, e não o contrário.

A experiência brasileira é ilustrativa: o Sebrae, o BNDES e a Finep operam de forma articulada, unindo formação, crédito e inovação. O Sebrae não financia directamente, mas capacita e orienta; o BNDES oferece linhas de crédito segmentadas; e a Finep fomenta a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico.

Em Angola, uma rede semelhante poderia ser construída, respeitando o contexto local:

INAPEM – capacitação e certificação;

FAE – microcrédito e apoio a startups;

BDA – capitalização de médias empresas;

Administrações Municipais – gestão de fundos locais e estímulo ao empreendedorismo comunitário.

5. Do crédito assistencial ao crédito produtivo

O modelo de financiamento em Angola ainda é, em muitos casos, assistencialista e politizado. O crédito é tratado como favor, e não como instrumento económico. O empreendedor é visto como beneficiário, e não como parceiro de desenvolvimento.

Segundo Jeffrey Sachs (2005), “a pobreza não é apenas falta de rendimento, mas falta de instrumentos de capital e de acesso”. Isso significa que políticas públicas eficazes devem garantir capital acessível, educação financeira e infra-estrutura de apoio.

O crédito produtivo precisa ser reposicionado como motor do crescimento inclusivo. Ele deve apoiar a criação de valor, estimular a formalização e permitir que o empreendedor reinvista, inove e cresça. É este tipo de crédito que transforma a economia de subsistência numa economia de oportunidades.

6. Caminhos para uma estratégia nacional de financiamento

Uma estratégia nacional de financiamento ao empreendedorismo em Angola deve assentar em cinco pilares fundamentais:

1. Educação e literacia financeira – Sem formação, o crédito torna-se dívida improdutiva. Segundo Hisrich, Peters e Shepherd (2014), o sucesso empreendedor depende mais da capacidade de gerir recursos do que de simplesmente obtê-los.

2. Inclusão bancária e microfinanças – É urgente fortalecer cooperativas de crédito, fintechs locais e instituições de microfinança. Elas são o elo entre a economia formal e informal.

3. Digitalização dos processos – Plataformas online de candidatura e acompanhamento reduzem custos, aumentam a transparência e combatem a corrupção.

4. Descentralização e autonomia local – As administrações municipais devem gerir fundos próprios de fomento, ajustados à realidade local.

5. Parcerias público-privadas – A criação de fundos híbridos com capital público e privado pode atrair investidores nacionais e estrangeiros interessados em startups e inovação social.

7. Conclusão: o empreendedor como agente de transformação social

O empreendedorismo angolano precisa ser visto não apenas como meio de auto-emprego, mas como estratégia de desenvolvimento nacional. O Estado deve compreender que cada pequeno negócio é uma semente de soberania económica e de progresso colectivo.

Como afirma Drucker (1985), “onde todos veem problemas, o empreendedor vê oportunidades”. Mas para que essas oportunidades floresçam, é necessário um ambiente financeiro saudável, transparente e inclusivo.

Angola tem talento, criatividade e energia. Falta-lhe apenas um sistema de financiamento que transforme sonhos em empresas e empresas em desenvolvimento. O crédito produtivo é, pois, mais do que uma política económica: é um compromisso com o futuro do país.

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