Entre cruzes arrancadas, cadáveres violados e batuques à beira das campas, os cemitérios de Angola tornaram-se espelhos do colapso moral da sociedade.
Os cemitérios, lugares sagrados onde o silêncio deveria falar mais alto, tornaram-se, em várias cidades de Angola, espaços de escândalo, desordem e desrespeito. O que antes era símbolo de reverência e memória, hoje é, em muitos casos, cenário de vandalismo, comércio e práticas que ferem a alma da nossa cultura.
Em Luanda, por exemplo, há quem diga que os cemitérios deixaram de ser apenas morada dos mortos para se tornarem palco dos vivos, vivos que perderam o respeito. No cemitério do Benfica, a Rádio Correio da Kianda recebeu denúncias de cidadãos indignados com o que presenciam. “Música, confusão, venda de bebidas e até churrascos à porta do cemitério. Já não há respeito nem pelos mortos, nem pelos vivos”, contou um dos denunciantes.
De facto, é comum ver comerciantes improvisando bancadas à entrada dos cemitérios, onde se vende de tudo: desde flores até cigarros, numa mistura que confunde o sagrado com o profano.
Mas o problema não se limita à capital. Em Benguela, um caso chocante abalou o país no ano passado: o cadáver de uma jovem foi desenterrado e abusado sexualmente por indivíduos que, hoje, respondem perante a justiça. O episódio deixou uma ferida profunda na consciência colectiva, revelando o quão distante estamos dos valores morais e espirituais que sustentam a dignidade humana.
Ainda em Luanda, multiplicam-se os relatos de cidadãos que, movidos pela necessidade ou pela ganância, retiram cruzes e outros materiais metálicos das sepulturas para vender em casas de pesagem. Cada peça arrancada é um símbolo do colapso ético que corrói a sociedade. Já não é apenas a pobreza que fala é a ausência de valores que grita.
Analistas sociais afirmam que estes comportamentos são reflexo da perda acelerada dos laços culturais e do respeito pelos antepassados. “A convivência com outras culturas, a falta de educação moral e o distanciamento da espiritualidade africana têm contribuído para a banalização do sagrado”, observa o sociólogo Agostinho Paulo, ouvido pela Rádio Correio da Kianda.
Nos cemitérios da capital, a cada fim de semana, nota-se o mesmo cenário: música alta, consumo de bebidas e tumultos. As famílias que visitam os túmulos dos seus entes queridos são obrigadas a partilhar o espaço com ruídos que nada têm a ver com o descanso eterno.
É um retrato amargo da modernidade desenfreada, uma sociedade que perdeu o equilíbrio entre a vida e a morte, entre o respeito e o descuido.
No fundo, o que se passa nos cemitérios é apenas um reflexo do que acontece nas ruas, nas escolas, nas famílias. Quando a morte deixa de ser respeitada, é sinal de que a vida também já perdeu o seu valor.
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