O recente salto nos resultados combinados dos bancos Banco da China, Caixa Angola, Access Bank e Standard Bank — 165,150 mil milhões de kwanzas no 3.º trimestre de 2025, contra 140,712 mil milhões no mesmo período de 2024 — revela um sector bancário aparentemente robusto. O crescimento de 17,36% no agregado e os ganhos expressivos do Standard Bank (112,163 mil milhões, crescimento de 23,54%) podem ser louvados. Contudo, esse desempenho financeiro positivo deve levantar reflexões mais profundas sobre o real papel dos bancos na economia nacional.
1. Rentabilidade versus desenvolvimento da economia real
A lucratividade bancária, muitas vezes medida por indicadores como retorno sobre activos (ROA) ou margens de juros, é, sem dúvida, sinal de saúde institucional. Como enfatizam estudos internacionais, “um sector bancário rentável é pré-requisito para o crescimento económico” porque permite aos bancos “atrair capital de investidores e gerar capital através de lucros retidos, injetando fundos na economia por meio de empréstimos” (Levine, 2005).
No entanto, é precisamente nesse “injeção de fundos” à economia real que reside a lacuna angolana. Se os bancos acumulam lucro sem direcionar crédito produtivo para agricultura, indústria, micro, pequenas e médias empresas, o crescimento económico sustentável fica comprometido. Em Angola, essa fragilidade já havia sido documentada: no estudo de Malamba Domingos Ferraz, “Banca comercial e desenvolvimento económico: o crédito à economia angolana (2002 a 2015)”, constata-se que, apesar da existência de um sistema bancário crescente, o crédito à economia real manteve-se aquém do necessário ao desenvolvimento sustentável.
Além disso, uma análise recente da performance bancária no contexto angolano (2012–2020) identificou que a adequação de capital e a dimensão dos bancos têm efeitos positivos no desempenho financeiro das instituições, medido por ROA e Margem Financeira Líquida (MFL). Ou seja, os bancos privilegiam a saúde financeira interna, mas não necessariamente o papel de motor do crédito produtivo.
Outro alerta teórico relevante vem do estudo Too Much Finance? (Arcand, Berkes e Panizza, 2012), que demonstra empiricamente que existe um ponto além do qual um sector financeiro demasiado grande pode passar de facilitador a obstáculo ao crescimento económico, sugerindo que a expansão e rentabilidade da banca devem ser equilibradas com a função social e produtiva do crédito.
Portanto, os resultados actuais dos bancos angolanos podem ocultar uma “rentabilidade desconectada”: forte nos números, mas fraca em termos de impacto real na diversificação da economia, criação de emprego e fortalecimento da produção nacional.
2. Vulnerabilidades estruturais do sistema bancário angolano:
1. Foco no mercado financeiro e serviços bancários tradicionais, em vez de crédito produtivo. Os bancos angolanos tendem a privilegiar operações de menor risco, crédito ao consumo ou serviços financeiros, em detrimento de empréstimos a empresas produtivas. Isso limita o impacto da banca na expansão real da economia.
2. Capacidade limitada de assumir riscos e financiar sectores de alto impacto. O facto de os bancos priorizarem capitalização e solvência, vantagens para estabilidade, significa que muitos projectos produtivos, especialmente de pequeno e médio porte, não são financiados.
3. Dependência do petróleo e das grandes empresas. Sem um sistema bancário que atenda o tecido empresarial diverso, a economia permanece vulnerável a choques externos, como preços do petróleo, preços de matérias-primas e variações cambiais, retardando o objetivo de diversificação económica.
4. Baixa inclusão financeira e alcance limitado fora dos centros urbanos. A banca comercial, ao concentrar-se em liquidez e serviços urbanos, deixa de fora vastas parcelas da população e da economia informal ou rural, reduzindo o impacto social e económico do crédito.
3. Que estratégias deve adoptar o Banco Nacional de Angola (BNA)?
Para transformar a actual “rentabilidade desconectada” em verdadeiro motor de desenvolvimento económico, o BNA deveria considerar a implementação das seguintes estratégias:
Políticas de incentivo ao crédito produtivo: criar linhas de crédito prioritárias para sectores estratégicos, como agricultura, agro-indústria, manufactura, micro e pequenas empresas, com condições favoráveis, como taxas de juro reduzidas, prazos longos e garantias parciais do Estado, para reduzir o risco e incentivar os bancos a investir na economia real.
Regulação prudencial com orientação de desenvolvimento: além de exigir capital e solvência, o BNA poderia introduzir requisitos de percentual mínimo de crédito à economia real para cada banco ou crédito dirigido a sectores produtivos, de modo a ligar a saúde financeira das instituições ao financiamento do desenvolvimento.
Fomento da inclusão financeira territorial e social: políticas que incentivem a expansão de agências e serviços bancários em zonas rurais e periféricas, bem como produtos de microcrédito adaptados à realidade local, de forma a levar liquidez e crédito às camadas mais amplas da economia.
Transparência e reporte de impacto socioeconómico: exigir aos bancos que divulguem relatórios não apenas financeiros, mas também de impacto, indicando quanto crédito foi concedido à economia real, quantos empregos foram apoiados e quantos projectos produtivos foram financiados, permitindo à sociedade acompanhar o real contributo da banca para o desenvolvimento nacional.
Educação financeira e capacidades de intermediação: apoiar programas de literacia financeira, especialmente para pequenas empresas e empreendedores informais, de modo a aumentar a procura por crédito produtivo e melhorar a qualidade dos projectos apresentados aos bancos.
4. Conclusão: O desafio de alinhar lucro com desenvolvimento
A rentabilidade recentemente registada pelos bancos em Angola é, de facto, um indicador de resiliência institucional. Contudo, esse desempenho não pode ser celebrado isoladamente. Como demonstram estudos académicos internacionais, a rentabilidade bancária só se traduz em crescimento económico quando os bancos efectivamente canalizam recursos para a economia real, através de empréstimos produtivos e investimento empresarial. No contexto angolano, os dados sugerem que essa conexão está, até agora, fragilizada.
O verdadeiro teste de robustez do sistema bancário angolano e da capacidade do país de diversificar e desenvolver a sua economia reside na capacidade de transformar os lucros em capital produtivo, crescimento económico real, inclusão financeira e desenvolvimento social. Cabe ao BNA adoptar uma abordagem estratégica que ultrapasse a mera regulação financeira, orientando o sistema bancário para o desenvolvimento sustentável. Só assim se poderá garantir que os milhões de kwanzas de lucro se convertam num verdadeiro capital para o progresso nacional.
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