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A gestão dos autocarros em Angola: o Estado deve regular, não gerir – Correio da Kianda

A decisão recente do Executivo angolano de retirar os privados do processo de atribuição de autocarros para o serviço público reabre um debate profundo sobre o papel do Estado na gestão da mobilidade urbana. No papel, a medida procura reforçar a coordenação e assegurar transparência; na prática, corre o risco de repetir erros históricos, onde a centralização administrativa não trouxe eficiência, mas sim mais custos, mais burocracia e menor qualidade para os cidadãos.

Como lembra Peter Drucker (2001), “não existe nada mais inútil do que fazer eficientemente aquilo que não deveria ser feito”. E gerir frotas de autocarros é uma dessas funções que o Estado insiste em desempenhar, mesmo quando todos os sinais apontam no sentido contrário.

1. Por que a centralização não funciona: Lições da governação pública

As experiências de gestão estatal directa em sectores operacionais têm um denominador comum: baixa produtividade e elevada ineficiência. Como argumentam Osborne e Gaebler (1992) na sua obra clássica Reinventing Government, “os governos devem dirigir, não remar”. Ou seja, devem definir o rumo, planear, regular e fiscalizar, mas não operar directamente serviços complexos ou intensivos em logística, como é o caso do transporte público.

Em Angola, os problemas crónicos de manutenção, desaparecimento de peças, deficiente gestão de rotas e a rápida deterioração das frotas confirmam a tese dos autores: quando o Estado tenta operar serviços que exigem competência técnica e disciplina constante, os resultados são frágeis e insustentáveis.

Além disso, como lembra Joseph Stiglitz (2000), prémio Nobel da Economia, “as falhas do governo podem ser tão graves quanto as falhas do mercado”. E no transporte público, a falha estatal é amplificada pela falta de incentivos internos, pela rigidez administrativa e pela interferência política nas decisões operacionais.

2. A Teoria da Agência: O mecanismo que Angola precisa aplicar

A Teoria da Agência, desenvolvida por Jensen e Meckling (1976), é fundamental para compreender a relação entre o Estado como principal e os operadores privados como agentes. Estes autores defendem que, quando bem estruturados, os contratos permitem alinhar os interesses entre as partes, reduzindo riscos de oportunismo e aumentando a eficiência.

Aplicada ao sector da mobilidade urbana, a teoria aponta um caminho claro:

O Estado define metas, regras e políticas públicas.
O operador privado executa o serviço conforme o contrato.
Os resultados são fiscalizados, auditados e publicados.

Este modelo é amplamente utilizado em cidades como Londres, Santiago, Kigali, São Paulo e Pretória, onde a operação dos autocarros é privada, mas o planeamento, a fiscalização e o controlo tarifário pertencem ao Estado.

Como defende Williamson (1985), um dos maiores especialistas mundiais em custos de transacção, “os contratos reduzem incertezas e disciplinam comportamentos”. E é precisamente essa disciplina que falta no sistema angolano quando o aparelho estatal tenta assumir sozinho a operação.

3. O Estado não deve ser motorista, deve ser árbitro

O Estado é essencial para garantir equidade, universalidade e continuidade do serviço público. Mas isso não significa que tenha de estar ao volante. John Maynard Keynes lembrava que “o Governo deve fazer aquilo que ninguém mais pode fazer, não aquilo que todos os outros podem fazer melhor”.

Gerir autocarros, assegurar manutenção diária, optimizar rotas e controlar receitas são tarefas que os privados realizam melhor, mais rápido e com menos custos. Ao Estado compete:

Planear
Regular
Fiscalizar
Avaliar o desempenho
Garantir transparência
Responsabilizar e sancionar desvios

Este é o modelo aplicado nas melhores práticas internacionais, defendido por autores como Christopher Hood (1991), que sustenta que “governar bem é governar através de contratos e mecanismos de controlo, não através da operação directa”.

4. Como deve ser o modelo ideal para Angola

Com base na experiência internacional, nas teorias de gestão e na realidade angolana, o modelo mais adequado para o país deve assentar em gestão privada contratualizada, com forte supervisão estatal. Os principais pilares são:

4.1. Concessões por desempenho

Segundo Stephen Goldsmith (1997), referência mundial em parcerias público-privadas, “os contratos baseados em resultados são a forma mais eficiente de modernizar serviços públicos”.
Em Angola, isso significa operadores privados contratados com metas claras de frequência, cobertura de rotas, tempos de espera, estado da frota e número de passageiros transportados.

4.2. Monitorização tecnológica

Como defende Richard Heeks (2018), a transformação digital deve apoiar a governação.
Sistemas de localização, bilhética electrónica, centros de controlo e auditorias digitais são essenciais para evitar desvios e monitorizar o serviço em tempo real.

4.3. Regulador forte e independente

Hood (2010) destaca que a regulação eficaz requer autonomia, transparência e capacidade sancionatória.
Angola precisa de uma autoridade nacional ou metropolitana dedicada à mobilidade, com poder efectivo de fiscalização, publicação de relatórios, suspensão de operadores, aplicação de multas e promoção da concorrência.

4.4. Competição regulada

De acordo com Michael Porter (1990), a competitividade melhora a qualidade e reduz custos.
O sector dos transportes deve ser aberto à competição regulada, com concursos públicos transparentes e avaliação permanente dos operadores.

5. Conclusão: Mobilidade urbana é planeamento, disciplina e incentivos

A mobilidade urbana não melhora com boas intenções, mas com boa governação.
E a governação eficiente não depende de o Estado operar, mas de o Estado regular com firmeza, planear com rigor e contratar com inteligência.

Como sintetiza Drucker (2001), “a missão do gestor público é fazer as coisas certas, não fazer todas as coisas”.
Atribuir autocarros, gerir oficinas, controlar motoristas e fiscalizar receitas não são tarefas adequadas ao Estado. São para operadores privados profissionalizados, disciplinados por contratos e supervisionados por reguladores fortes.

Se Angola quiser um transporte público moderno, seguro e sustentável, deve abandonar a tentação centralizadora e adoptar o modelo que o mundo já provou funcionar: gestão privada por contrato, Estado forte na fiscalização e transparência permanente.

Assim, o Estado deixa de ser motorista e passa finalmente a ser um bom árbitro.

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