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A urbanização selvagem de Luanda: a capital que cresce sem respirar – Correio da Kianda

O movimento das populações entre o campo e a cidade é um dos fenómenos mais decisivos na estrutura socioeconómica de um país. Em Angola, o êxodo rural descontrolado representa hoje uma das maiores ameaças à coesão territorial e ao desenvolvimento equilibrado. Milhares de jovens abandonam as aldeias, não porque o campo deixou de ter valor, mas porque o Estado deixou de o tornar viável.

O resultado é duplo: o campo esvazia-se e as cidades incham, produzindo um modelo de desenvolvimento concentrado e desequilibrado. Enquanto isso, o chamado êxodo urbano inteligente, que deveria distribuir a população e o investimento por cidades médias e municípios planificados, permanece ausente das políticas públicas.

Luanda constitui o exemplo mais evidente deste fenómeno. Em 2014, Angola apresentava uma taxa de urbanização de cerca de 62,6% da população residente em áreas urbanas. Nesse mesmo ano, a província de Luanda registava aproximadamente 6,94 milhões de habitantes, dos quais 6,76 milhões viviam na sua área metropolitana, representando 41,9% da população urbana nacional.

Em 2024, as estimativas indicam que a população metropolitana de Luanda ultrapassa os 9,65 milhões de habitantes, com tendência a atingir os 10 milhões em 2025, o que a transforma numa das maiores aglomerações urbanas da África subsaariana. Esse crescimento urbano acelerado e desordenado tem resultado na proliferação de periferias informais e bairros sem planeamento, onde o acesso a habitação condigna, saneamento, água potável e transporte é extremamente limitado.

De acordo com o Relatório sobre o Estado das Cidades Africanas (ONU-Habitat, 2022), Luanda é hoje uma das capitais com maior expansão periférica e menor densidade planificada do continente, simbolizando uma urbanização sem ordenamento e um êxodo rural não controlado.
Esta realidade traduz-se numa metrópole que cresce demograficamente, mas empobrece urbanisticamente.

O exemplo da China mostra que é possível controlar o êxodo rural e transformar a migração interna num instrumento de modernização e coesão nacional. Trata-se de uma lição de planeamento, visão estratégica e disciplina governativa que Angola pode adaptar à sua própria realidade.

1. O Êxodo Rural: O Sintoma de um Modelo de Desenvolvimento Centralizado

O êxodo rural em Angola não é apenas um fenómeno demográfico. É a expressão de um modelo de desenvolvimento excessivamente urbano e centralizador.

Segundo Todaro e Smith (2015), o êxodo rural é geralmente resultado de “um desequilíbrio entre as oportunidades económicas reais e as expectativas sociais projectadas pelo ideal urbano”.

Em Angola, essa expectativa traduz-se na crença de que viver na cidade é viver melhor. No entanto, as cidades angolanas oferecem poucos empregos formais, escassa habitação digna e serviços públicos saturados, tornando-se destinos de sobrevivência e não de progresso.

De acordo com Sachs (2015), “o desenvolvimento sustentável começa quando se rompe o ciclo de pobreza e migração forçada, equilibrando os sistemas produtivos do campo e da cidade”. Assim, controlar o êxodo rural é, acima de tudo, uma questão de governação inteligente do território.

2. A Experiência Chinesa: Do Campo como Base ao Desenvolvimento Nacional

A China enfrentou nas últimas décadas um desafio semelhante, mas soube transformar a mobilidade interna em motor de crescimento e modernização rural.

Entre as décadas de 1980 e 1990, o país viveu um êxodo rural massivo, motivado pela industrialização. Contudo, em vez de permitir a urbanização caótica, o governo criou um sistema de controlo, planeamento e desenvolvimento rural articulado, baseado em cinco pilares estratégicos.

1. Sistema Hukou (Registo de Residência): Este mecanismo de controlo populacional impediu o colapso das cidades, permitindo planear os serviços urbanos. Segundo Chan (2010), “o Hukou não foi apenas um instrumento de contenção demográfica, mas de coordenação socioeconómica”.

2. Empresas de Aldeia e Município (TVEs): As Township and Village Enterprises criaram emprego no campo e impulsionaram a industrialização rural. Para Fei Xiaotong (1983), “a industrialização do campo chinês foi o elo perdido que uniu o progresso rural ao urbano”.

3. Modernização Agrícola e Infraestrutural: O governo investiu em estradas, energia, educação e saúde rural. Stiglitz (2002) defende que “as infraestruturas são o primeiro passo da inclusão económica”, e a China aplicou esse princípio de forma exemplar.

4. Reforma Agrária e Revitalização Rural: Nos anos 2000, a estratégia da “Nova Aldeia Socialista” e, mais recentemente, a política de Revitalização Rural, lançada por Xi Jinping (2017), reforçaram a ideia de que “sem a modernização rural, não há modernização nacional”.

5. Planeamento Territorial Integrado: A China tratou o território como um sistema de funções complementares, com regiões agrícolas, industriais e tecnológicas. Como defende Jacques (2012), “a força da China está em governar o território como um organismo vivo, e não como um mapa fragmentado”.

3. Angola e o Desafio da Adaptação

Angola não precisa copiar a China, mas pode adaptar o seu modelo com inteligência contextual. O país dispõe de vastas terras férteis, recursos naturais e uma juventude que, se bem orientada, pode transformar o campo num novo espaço de modernidade e inovação.

Para controlar o êxodo rural e ao mesmo tempo impulsionar um êxodo urbano produtivo, Angola deve adoptar uma estratégia de dupla direcção.

1. Controlar o Êxodo Rural Improdutivo

Modernização agrícola: Implementar tecnologias de irrigação, mecanização e agroindústria local.
Como afirma a FAO (2021), “a transformação rural sustentável começa com valor acrescentado no local de produção”.

Economia rural digital: Criar plataformas de comércio electrónico para produtores rurais venderem directamente aos consumidores urbanos.

Educação e inovação no campo: Desenvolver Escolas Técnicas Agrárias e Centros de Inovação Rural.

Valorização da identidade camponesa: Reforçar a cultura do campo como símbolo de dignidade e não de atraso.

2. Impulsionar o Êxodo Urbano Inteligente

Cidades médias e municípios planificados: Distribuir o crescimento urbano para o interior, criando cidades intermédias inteligentes como o Lubango, Huambo, Saurimo, Malanje e Uíge.

Zonas Económicas Locais e Parques Tecnológicos Municipais: Promover o empreendedorismo juvenil e a inovação descentralizada.

Planeamento Estratégico Municipal: Integrar o ordenamento territorial à política económica local.

Transporte e conectividade: Desenvolver infraestruturas rodoviárias e digitais que liguem aldeias e cidades com eficiência e equidade.

Como destaca Sen (1999), “o verdadeiro desenvolvimento é aquele que amplia as liberdades reais das pessoas”.
Portanto, o objectivo de Angola deve ser dar ao cidadão a liberdade de permanecer ou migrar por escolha, e não por desespero.

4. O Papel do Estado: De Observador a Orquestrador

A governação territorial exige um Estado que planeie, regule e motive.
A experiência chinesa demonstra que o Estado deve ser o arquitecto da mobilidade interna, e não mero espectador dos fluxos migratórios.

Angola precisa de instituir um Sistema Nacional de Mobilidade e Desenvolvimento Territorial, que permita mapear, monitorar e orientar os fluxos populacionais conforme os objectivos do Plano Nacional de Desenvolvimento.
Como reforça Stiglitz (2013), “os mercados sozinhos não corrigem desigualdades regionais; é o Estado que deve garantir a equidade territorial”.

6. Conclusão: O Caminho Angolano

A China demonstrou que o êxodo rural pode ser controlado e transformado num instrumento de modernização.
Angola, com as suas potencialidades e juventude vibrante, pode reinventar esse modelo, criando uma ponte estratégica entre o campo e a cidade.

O futuro não está em travar as migrações, mas em planear a mobilidade nacional como política de desenvolvimento.
Um país que não governa o seu território, cedo ou tarde, será governado pelas suas assimetrias.

Como sintetiza Xi Jinping (2019), “o rejuvenescimento de uma nação começa nas aldeias”.
E como diria Amartya Sen (1999), “a liberdade de permanecer é tão essencial quanto a liberdade de partir”.

Portanto, governar o território é governar o futuro, e Angola precisa urgentemente de um Estado que saiba fazê-lo com inteligência, visão e coragem.

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