A aprovação, pelo Conselho de Ministros, da Proposta de Lei sobre o Regime Jurídico do Beneficiário Efectivo é um passo decisivo para o reposicionamento de Angola no cenário internacional da transparência e da integridade financeira. Desde que o país entrou para a Lista Cinzenta do GAFI em Outubro de 2024, tornou-se evidente que o combate à opacidade societária é uma urgência nacional e não apenas um requisito técnico.
Como afirma Mark Pieth (2013), um dos maiores especialistas globais em anticorrupção, “os crimes económicos prosperam onde a titularidade real é escondida ou manipulada”. Assim, a lei do beneficiário efectivo é uma das ferramentas mais poderosas para cortar a raiz da corrupção sistémica.
1. Beneficiário Efectivo: Revelar a Verdade por Trás da Persona Jurídica
Segundo o GAFI, beneficiário efectivo é a pessoa singular que controla, em última instância, uma empresa.
O académico John Coffee (Columbia University) — um dos maiores juristas do mundo em direito corporativo — sublinha que “a opacidade societária criou o maior mercado negro corporativo do século XXI”.
Esta opacidade tem permitido o branqueamento de capitais, financiamento ao terrorismo e captura de contratos públicos.
A transparência sobre os verdadeiros donos das empresas não é um capricho burocrático: é, como afirma Joseph Stiglitz (Nobel de Economia), “a condição mínima para que mercados funcionem de forma justa e eficiente”.
2. O que o Mundo já fez: lições de países que venceram a opacidade
Reino Unido – Transparência como regra, não excepção
O Persons with Significant Control Register tornou-se referência global.
Segundo a organização Transparency International (2021), este registo permitiu desmontar milhares de empresas fantasma usadas para lavagem de capitais vindos da Rússia, Ásia e África.
Estónia – Digitalização como vacina institucional
A Estónia mostra que tecnologia é aliada da integridade.
Como explica Tiina Randma-Liiv (2018), especialista em administração pública estoniana, “a digitalização criou instituições mais inteligentes do que os corruptos”.
Países Nórdicos – Integridade como tradição cultural
Noruega e Dinamarca integram registos fiscais, comerciais e bancários.
Segundo Ola Stokke (2019), “a chave do sucesso dos nórdicos está no cruzamento automático e permanente de dados”.
Estados Unidos – Corporate Transparency Act (2021)
O Financial Crimes Enforcement Network (FinCEN) considera esta lei uma das maiores reformas anticorrupção do país, com impacto directo na identificação de redes criminosas globais.
3. África também lidera boas práticas — e Angola deve inspirar-se nelas
É falso o argumento de que transparência não funciona em África. Existem lideranças africanas que já provaram o contrário.
Ruanda – Integridade como política de Estado
Segundo o African Governance Report (2022), a política de beneficiário efectivo reduziu drasticamente esquemas opacos na mineração e obras públicas.
O Governo opera com uma filosofia baseada no que Paul Collier (2010) chama de “governação disciplinada para contextos de fragilidade”.
Gana – Reformas legais robustas e fiscalização activa
O Companies Act 2019 tornou Gana uma referência africana.
O GAFI reconheceu o país como “modelo de cumprimento em matéria de titularidade real”.
Como refere Daniel Kaufmann (ex-Banco Mundial), “Gana mostra que reformas fazem diferença quando existe vontade política real”.
Nigéria – Transparência no sector petrolífero
No espírito das recomendações da EITI, a Nigéria criou um registo específico para identificar os donos reais das empresas petrolíferas.
A investigadora Zainab Usman (Carnegie Endowment) destaca que “a Nigéria encerrou a era das concessões obscuras através de transparência radical”.
África do Sul – Reformas pós-State Capture
Após o relatório Zondo, o país adoptou o Beneficial Ownership Register.
Segundo Hennie van Vuuren (Open Secrets), “a captura do Estado só foi possível porque empresas fantasma serviram de armas económicas”.
Maurícias – O centro financeiro mais transparente de África
O FMI e o Banco Mundial classificam Maurícias como um exemplo de regulação avançada sobre beneficiário efectivo, essencial para garantir credibilidade internacional.
4. Angola: uma lei promissora num ambiente ainda frágil
Apesar do avanço legislativo, persistem desafios que condicionam o impacto da proposta:
1. Cultura institucional baseada no segredo
Como refere Alina Mungiu-Pippidi (2015), “países com elites predatórias resistem à transparência porque ela é mortal para os seus privilégios”.
2. Fragmentação tecnológica
Sem interoperabilidade, o registo de beneficiários efectivos ficará cego.
3. Fiscalização ainda dependente da vontade política
O académico Moisés Naím (2013) adverte que “o poder clandestino sobrevive à sombra — e não gosta de luz”.
4. Resistência das redes informais de poder
A lei ameaça estruturas que lucram com empresas de fachada, testando a coragem institucional.
5. Os ganhos para Angola: transparência como activo económico
Implementar este regime jurídico com rigor produzirá benefícios directos:
reforço da credibilidade bancária (Stiglitz);
menores custos de financiamento internacional (Kaufmann);
ambiente de negócios mais previsível (Doing Business);
concursos públicos mais limpos (Transparency International);
redução do branqueamento e corrupção (Mark Pieth, OCDE).
Como afirma Louise Shelley (2014), especialista em crime organizado, “quanto mais difícil for esconder o dono de uma empresa, mais caro e arriscado é cometer corrupção”.
6. Recomendações concretas para Angola — baseadas em evidência internacional
1. Criar um registo público ou semipúblico (modelo Reino Unido).
2. Interligar sistemas: Justiça, BNA, AGT, IGAE e bancos.
3. Impor multas severas para declarações falsas (modelo Gana e EUA).
4. Auditorias independentes periódicas (modelo Estónia e Noruega).
5. Parcerias internacionais com UE, FMI, Banco Mundial e GAFI.
6. Protecção de denunciantes, fundamental para integridade (OCDE).
7. Formação avançada de quadros em análise de riscos, AML/CFT e auditoria digital.
Conclusão: a transparência não é uma opção política — é uma exigência civilizacional
A Proposta de Lei sobre Beneficiário Efectivo é um instrumento decisivo para libertar Angola da dependência da opacidade.
Se for implementada com rigor, poderá colocar o país no caminho de Ruanda, Gana e Maurícias — líderes africanos de governação moderna.
Como resume Joseph Stiglitz, “sem transparência, não existe confiança; e sem confiança, não existe desenvolvimento sustentável”.
Angola tem uma escolha histórica:
continuar refém da opacidade — ou alinhar-se com a nova era da integridade global.
A lei está escrita.
Falta agora coragem para a pôr em prática.
Crédito: Link de origem
