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Crise urbanística no Huambo: necessidade de política nacional integrada – Correio da Kianda

A publicação do Edital n.º 482/2025 pela Administração Municipal do Huambo, solicitando que os proprietários de terrenos abandonados, edifícios inacabados e imóveis inoperantes regularizem a sua situação, constitui um acto administrativo necessário, legítimo e coerente com o dever de ordenamento territorial. Contudo, ao mesmo tempo, expõe um problema estrutural maior: Angola continua sem uma política pública nacional robusta, integrada e vinculativa para a Urbanização e Habitação, permanecendo dependente de medidas dispersas, reactivas e exclusivamente municipais.

Como afirma Carlos Matos (2018), “não há desenvolvimento territorial sustentável quando a governação urbana se faz por reacções pontuais, e não por políticas de Estado coerentes”. É exactamente isso que se verifica no país: administrações locais tentam resolver problemas estruturais isoladamente, sem um quadro jurídico nacional sólido. É um combate desigual. É gestão fragmentada. É improvisação institucionalizada.

Por isso, impõe-se uma reflexão séria: a medida tomada no Huambo não deveria ser apenas um edital municipal, mas sim parte de uma política pública nacional formalizada através de um Decreto Presidencial, com força jurídica vinculativa para as 21 províncias e 326 municípios do país, sob coordenação do Ministério das Obras Públicas, Urbanismo e Habitação.

1. Urbanização e habitação: desafios nacionais que não podem depender da vontade local

O ordenamento do território é, por natureza, uma função estratégica do Estado. Henri Lefebvre (1974) lembrava que “o espaço urbano não é espontâneo; é produzido politicamente”. Se é politicamente produzido, deve ser regulado ao mais alto nível, com políticas públicas coerentes e uniformizadas, e não com editais avulsos que variam segundo o município.

As ocupações irregulares, o abandono de imóveis, a especulação fundiária e a construção desordenada afectam:

a economia nacional;

a segurança urbana;

a arrecadação fiscal;

a qualidade de vida;

o planeamento urbano;

o valor dos activos imobiliários;

a mobilidade e a habitação digna.

Estes fenómenos são sistémicos, não meramente municipais. Por isso, como sustenta Saskia Sassen (2015), “as cidades são hoje plataformas de disputa económica e institucional que exigem regulação multiescalar”. Ou seja: a governação municipal só é eficaz quando subordinada a directrizes nacionais claras.

Sem uma política pública nacional de Urbanização e Habitação, Angola continuará a enfrentar:

cidades informais que crescem mais depressa do que as formais;

terrenos abandonados e improdutivos;

edifícios inacabados que degradam a imagem urbana;

falta de habitação digna e acessível;

caos fundiário e conflitos judiciais permanentes.

2. Não basta “organizar”: é preciso planificar com visão estratégica de Estado

Vários especialistas internacionais defendem que o desenvolvimento urbano sustentável exige liderança nacional. Peter Hall (2014) refere que “os sistemas urbanos não sobrevivem à ausência de um Estado planificador”. Em Angola, o Ministério das Obras Públicas, Urbanismo e Habitação não pode continuar a actuar apenas como observador da desordem fundiária.

A falta de uma política nacional coerente provoca:

desigualdade territorial, cada município regula como pode;

insegurança jurídica, o cidadão nunca sabe qual norma prevalece;

insustentabilidade urbana, infra-estruturas e serviços sem coordenação;

perda de oportunidades económicas, terras improdutivas travam o investimento.

Uma política pública nacional deve estabelecer:

prazos obrigatórios para construção em terrenos cedidos;

sanções claras e proporcionais para terrenos abandonados;

critérios uniformes para reversão de terrenos ao Estado;

exigência legal do aproveitamento útil do solo;

um cadastro fundiário digital, nacional e integrado.

Hernando de Soto (2000) lembra que “o valor da terra só se multiplica quando o Estado garante segurança jurídica e regras claras”. Sem estas condições, a terra transforma-se em objecto de especulação, e não em factor de desenvolvimento.

3. O Huambo deu o exemplo — mas a resposta adequada deve ser nacional

O edital do Huambo demonstra que as administrações municipais reconhecem o problema e tentam agir. Mas também revela a enorme lacuna legal e institucional existente. O município não possui meios, nem competências plenas, para corrigir, sozinho, décadas de desordem urbana.

Jane Jacobs (1961) advertia que “a vitalidade urbana exige estratégias integradas, não acções isoladas”. Ou seja, boas iniciativas locais precisam de escala nacional.

Se cada município actuar de forma autónoma, Angola continuará a produzir:

21 realidades urbanas distintas em 21 províncias;

326 interpretações administrativas diferentes em 326 municípios;

insegurança para investidores, famílias e empreendedores imobiliários.

O país precisa de coerência territorial. Precisa de uniformidade normativa. Precisa de política pública nacional.

4. Por que a solução adequada é um Decreto Presidencial

Um Decreto Presidencial teria efeitos estruturantes e imediatos, permitindo:

a) Uniformidade para todos os municípios e províncias

As mesmas regras seriam aplicadas em todo o território nacional, evitando arbitrariedade e conflitos interpretativos.

b) Força jurídica vinculativa

A medida deixaria de depender da vontade dos administradores municipais, passando a ser política de Estado.

c) Modernização do cadastro nacional

O cadastro digital permitiria:

controlo do aproveitamento útil dos imóveis;

identificação automática de bens abandonados;

transparência fundiária para cidadãos e investidores.

d) Responsabilização dos proprietários

A terra, como recorda Amartya Sen (1999), “é um dos recursos mais determinantes para o desenvolvimento humano”. Por isso, não deve permanecer improdutiva.

e) Sanções claras e reversão ao Estado

Terrenos ou edifícios abandonados poderiam reverter legalmente ao Estado e integrar projectos úteis à comunidade.

5. Caminho para cidades modernas: de editais avulsos a políticas de Estado

A iniciativa da Administração Municipal do Huambo é correcta e demonstra sentido de responsabilidade pública. Contudo, como observa Manuel Castells (1998), “a cidade é um fenómeno nacional, e não apenas municipal”. Portanto, iniciativas deste género precisam de enquadramento nacional.

Angola necessita de:

cidades planeadas e integradas;

governança urbana inteligente;

transparência fundiária;

habitação digna e acessível;

mobilidade estruturada;

território ordenado e competitivo.

Sem políticas públicas sólidas, o país continuará a responder a problemas profundos com medidas pontuais e limitadas.

Finalmente, é importante reconhecer que o Edital do Huambo é mais do que um aviso: é um diagnóstico. É o reflexo de uma necessidade urgente. É a evidência de que Angola precisa de uma política pública nacional de Urbanização e Habitação, formalizada através de um Decreto Presidencial, garantindo uniformidade normativa, segurança jurídica, responsabilidade fundiária e ordenamento urbano sustentável para todas as 21 províncias e 326 municípios.

A urbanização moderna não se faz com editais isolados.
Faz-se com políticas de Estado, visão estratégica e liderança nacional.

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