Top Header Ad

Financiar o desemprego com o emprego que não existe: a nova matemática social angolana – Correio da Kianda

A recente declaração do administrador do Instituto Nacional da Segurança Social (INSS), Samuel Mulaza, sobre a implementação do subsídio de desemprego a partir de 2027, representa um marco importante na narrativa contemporânea da protecção social angolana. O anúncio surge num contexto em que o país procura modernizar o seu sistema de segurança social, aproximando-se das práticas internacionais de bem-estar, mas enfrenta desafios estruturais profundos, ligados à informalidade, à fraca diversificação económica e à reduzida capacidade fiscal do Estado.

A proposta, embora legítima e necessária do ponto de vista social, suscita uma análise crítica: até que ponto Angola possui uma estrutura económica e institucional capaz de sustentar uma política pública dessa natureza? Implementar um subsídio de desemprego num mercado em que a maioria da força de trabalho nunca contribuiu formalmente pode transformar uma medida de protecção social em um mecanismo simbólico de reconhecimento político, sem impacto real na melhoria das condições de vida.

1. O Desemprego na Estrutura Económica Angolana

De acordo com a definição da Organização Internacional do Trabalho (OIT, 2022), o desemprego corresponde à situação de indivíduos em idade activa, disponíveis e à procura de trabalho, mas sem ocupação remunerada. Este conceito, amplamente aceite no mundo, tem uma leitura particular em Angola, onde o mercado de trabalho é dominado pela informalidade e o emprego formal ainda é privilégio de uma minoria.

Dados do Instituto Nacional de Estatística (INE, 2023) revelam que cerca de 80% da força de trabalho nacional opera no sector informal, com ausência de contratos, contribuições sociais e protecção laboral. Isto significa que a maioria dos trabalhadores não possui histórico contributivo junto do INSS, o que, por definição, os excluiria do benefício proposto.
A contradição é clara: um subsídio de desemprego só beneficia quem já teve emprego formal, enquanto a realidade angolana mostra um país onde o desemprego estrutural e o subemprego informal se sobrepõem.

Em termos práticos, como definir o “desempregado” em Angola?
O licenciado que nunca teve um contrato é desempregado?
O jovem que sobrevive vendendo recargas no mercado informal é desempregado ou microempreendedor?
O técnico que faz transporte em kupapatas está desempregado ou auto-empregado?
Estas fronteiras difusas revelam a fragilidade conceptual e estatística sobre a qual a medida poderá assentar.

2. Sustentabilidade Financeira e Riscos do Sistema

O administrador do INSS anunciou que a taxa contributiva poderá ser aumentada até 15% para garantir a sustentabilidade do subsídio. Embora tal decisão tenha fundamento económico, visto que qualquer sistema de protecção social requer equilíbrio actuarial, levanta preocupações sérias sobre a viabilidade fiscal e a sobrecarga das empresas.

O economista Paul Krugman (2012) observa que “as políticas sociais bem-sucedidas exigem equilíbrio entre responsabilidade fiscal e justiça social”. No caso angolano, onde o número de contribuintes efectivos é reduzido, aumentar a taxa sem ampliar a base contributiva pode resultar em distorções económicas, penalizando ainda mais o sector produtivo formal, já fragilizado por custos fiscais e burocráticos elevados.

Além disso, a sustentabilidade de um sistema de subsídio de desemprego depende da rotatividade laboral e da reabsorção do trabalhador no mercado de trabalho. Em Angola, o ciclo económico é marcado por baixa criação de emprego formal e lenta capacidade de absorção do desempregado. Assim, o risco de um sistema deficitário e dependente do financiamento público é real.

Peter Drucker (1999) alerta que “nenhuma política social é sustentável se o sector produtivo não for simultaneamente fortalecido”.
Neste contexto, o subsídio de desemprego, sem políticas activas de geração de emprego, poderá transformar-se numa medida de compensação temporária, sem alterar as causas estruturais da exclusão laboral.

3. Desemprego e Empregabilidade: o Verdadeiro Dilema Nacional

Mais do que criar mecanismos de compensação financeira, o Estado deveria investir em políticas activas de empregabilidade, capazes de gerar oportunidades sustentáveis. A promoção de programas de formação técnica e profissional, apoios fiscais às empresas que contratem jovens, incentivos ao empreendedorismo local e financiamento de micro e pequenas empresas seria uma estratégia mais eficaz e de maior impacto social.

Amartya Sen (1999), na sua teoria das capacidades humanas, defende que o desenvolvimento deve ser medido não apenas pela redistribuição de recursos, mas pela expansão das liberdades e oportunidades reais das pessoas. Seguindo esta lógica, subsidiar o desemprego sem criar condições efectivas de empregabilidade é sustentar a dependência sem gerar autonomia.

A formação profissional, a inovação tecnológica e a inclusão digital são hoje pilares da economia moderna. O futuro do trabalho em Angola depende da capacidade de criar cidadãos competentes, empreendedores e produtivos.
Uma política pública que reconhece o desemprego é um avanço civilizacional, mas uma política que cria emprego é um avanço estrutural.

4. O Factor Político e o Calendário de 2027

A previsão de início em 2027 levanta uma reflexão inevitável sobre a dimensão política da medida. Em Angola, os grandes anúncios de reformas sociais tendem a coincidir com ciclos eleitorais, funcionando como instrumentos de reafirmação do compromisso governativo e de mobilização simbólica de confiança pública.

O risco é que a medida seja percepcionada mais como uma promessa eleitoral do que como uma política de Estado, sobretudo se a sua execução depender de estudos, debates e aprovações orçamentais sucessivas.

Como defende Guy Peters (2018), “as políticas públicas eficazes devem ser despartidarizadas, baseadas em dados e estruturadas com previsibilidade institucional”.
Angola precisa de ultrapassar a lógica da governação por promessa e avançar para a governação por resultados, onde os anúncios são substituídos por programas executados e avaliados em tempo real.

O anúncio de 2027 é, sem dúvida, um passo discursivo importante, mas o seu êxito dependerá menos da eloquência política e mais da capacidade técnica e administrativa do Estado para transformar intenção em prática.

5. Impacto Social e Expectativas Populares

A expectativa popular em torno do subsídio de desemprego é legítima, sobretudo entre jovens qualificados que se sentem desamparados face à ausência de oportunidades. Contudo, é fundamental reconhecer que o subsídio de desemprego não é uma política de geração de rendimento, mas de compensação temporária.
Ele não substitui o emprego, apenas ameniza o impacto da falta dele.

Em sociedades onde a cultura de formalização laboral é baixa, o risco é que o subsídio se torne um benefício restrito a uma minoria, alimentando a sensação de exclusão entre a maioria informal. Para evitar isso, o Estado deve criar mecanismos complementares, como:

• Programas de transição do sector informal para o formal

• Apoios ao auto-emprego e microempreendedorismo

• Formação em competências digitais e tecnológicas

• Parcerias público-privadas para estágios e programas de inserção laboral

Somente através de uma abordagem integrada, que una protecção social e promoção económica, o país poderá construir um sistema sustentável e inclusivo.

6. Conclusão: Entre o Ideal e o Possível

A criação do subsídio de desemprego constitui uma iniciativa relevante, de alcance social e simbólico significativo, que demonstra o esforço do Estado angolano em reforçar o seu compromisso com a justiça social. Contudo, sem reformas estruturais no mercado de trabalho, sem políticas de incentivo à produção nacional e sem formalização do emprego, a medida poderá tornar-se um instrumento de retórica administrativa, incapaz de alterar a realidade socioeconómica do país.

O desafio de Angola não é apenas reconhecer o desempregado, mas criar as condições para que ele deixe de o ser.
A verdadeira protecção social nasce do equilíbrio entre a solidariedade estatal e a autonomia produtiva do cidadão.

Como afirmou Peter Drucker, “a melhor forma de prever o futuro é criá-lo”.

E criar o futuro, neste caso, significa transformar políticas compensatórias em políticas de criação de valor, inovação e inclusão produtiva.

Crédito: Link de origem

Leave A Reply

Your email address will not be published.